O Deus-Natura, a Dádiva e o Capital

Da consciência do Deus

É preciso acabar com alguns preconceitos acerca dos deuses. Um Deus não precisa saber do outro e de si. Não é necessário que tenha consciência, que seja piedoso ou perverso, moral ou imoral, como Espinoza já demostrou.

Um Deus não deixa de sê-lo por ser inconsciente, como é o caso do Capital. Consequentemente, esse Deus é  amoral, indiferente e frio ao devorar seus filhos (nós) para se reproduzir, isto é, para permanecer idêntico a si.

Da eternidade do Deus

Um Deus também não precisa ser eterno, ou melhor, ele precisa ser “eterno enquanto dure”, como diria o poeta. A estrutura a que chamamos capitalismo é histórica. Ela emerge, como proto-capitalismo no fim da Idade Média e se consolida como estrutura acabada na Inglaterra da Revolução Industrial, para se expandir e tomar o mundo todo nos próximos séculos, graças a superioridade técnico-militar dos povos mercantilistas e capitalistas em relação aos outros, não capitalistas.

O Capital é um Deus recente, cujo nascimento se deu no fim do século XVIII, após uma gestação de séculos. Mas depois de seu nascimento, enquanto houver capitalismo, ele será sempre o Mesmo, idêntico a si, ou seja, eterno.

O Deus-Natura, a Dádiva e o Capital

Talvez o Capital seja um Deus da categoria do Deus-Natura de Espinoza e da Dádiva do famoso ensaio de Marcel Mauss: um Ser (natural ou social) inconsciente e onipresente que constitui e governa o mundo com suas leis férreas. No caso do Deus espinozista, trata-se do governo geral do cosmo. No caso da Dádiva e do Capital, trata-se do governo do mundo social, ou cultural - para usar o termo dos antropólogos.

A Dádiva e o Capital são formas sociais construídas de forma coletiva e inconsciente pelas sociedades, mas que acabam por se autonomizar e governar o mundo social e psíquico dos seres humanos. Mauss sugere que, antes do capitalismo, a “economia” da Dádiva era a forma social que governava as mais variadas culturas, principalmente as chamadas primitivas, que não conheciam o estado. A Dádiva seria, no dizer de Mauss, um fato social total, que fundava e guiava os comportamentos, a organização social, as mentalidades, os afetos, as crenças, os meios de produção, as trocas etc.

A Dádiva variava de cultura para cultura e Lévi-Strauss certamente ambicionou, com seu estruturalismo, achar-lhe a forma geral, o Deus-Dádiva universal por detrás dos mitos particulares. Em todo caso, a Dádiva, como fato social total, constituiria o fundamento de muitas (talvez todas) culturas pré-capitalistas, segundo a hipótese de Mauss.

In: Política e sujeito no capitalismo em colapso

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