Capitalismo e (não) sentido

Vazio pós-moderno

O vazio psíquico pós-moderno, a sensação de que a vida que se vive não tem sentido humano, nada mais é que a plenitude do Capital, da alma adestrada como sujeito automático, voltada primariamente para a produção de valor. O vazio humano da pós-modernidade é a realização plena do Capital.

Certamente não há sentido no universo e a Terra é um escuro cisco esférico perdido em meio a bilhões de galáxias. Não há, tampouco sentido no interior deste pequeno cisco em que vivemos. A Natureza por acaso nos gerou e nos desconhece completamente.

Mas o ser humano é um ser de sentido. A consciência é um animal à caça de sentidos e, ao mesmo tempo, uma fábrica de significação. As pessoas inventaram os deuses para preencher o mundo de sentido, para fazer sua existência ser mais que um simples existir casual.

O capital talvez seja o primeiro Deus criado pelos homens que esvazia o mundo de sentido e converte homens e natureza em instrumentos para reproduzir sua forma quantitativa e abstrata.

A concretude da vida em comum é o único sentido que resta ao ser humano, desde sempre. E o avanço do Capital sobre todos os povos da Terra e esferas da vida corrói e, por fim, quebra esta frágil camada de sentido que sustenta a vida comunitária. Quebra as culturas do sentido pré-capitalistas e instaura a modernidade (e pós-modernidade), como cultura da forma vazia, que retira do humano o chão do sentido.

Sob o Capital, o ser humano se torna um autômato cujo cerne é a razão instrumental e a competitividade. Voltados para multiplicação da forma vazia do Deus, as pessoas se tornam também formas vazias indiferenciadas - forma sujeito cujo núcleo é o sujeito automático (Capital).

Não à toa, o fascismo emerge como reação destrutiva e autodestrutiva à retirada de sentido e concretude existencial que o capitalismo promove nas sociedades humanas.

O sentido é a comunidade

Se não há sentido fora do humano, tampouco o há no indivíduo que, de resto, é apenas um animal frágil muito mal aparelhado pelos instintos, uma continuidade débil da natureza.

O sentido da humanidade, portanto, está na unidade comunitária, na cultura de um povo, na sociedade como uma totalidade para além dos indivíduos que a compõem.

O capitalismo, por sua vez, funda uma cultura cujos laços sociais se fazem por meio da forma vazia da mercadoria, às expensas de qualquer sentido. A modernidade é uma cultura que fragmenta o humano em indivíduos isolados que se ligam entre si pela janela exclusiva da lógica da mercadoria.

De onde viemos? Para quê vivemos? Para onde vamos? Como devemos viver? A resposta verdadeira (e frustrante para os seres humanos) a todas estas questões fundamentais é simples na modernidade: somos filhos do Capital, vivemos e morremos por ele e devemos viver sob suas leis. Pois ele é o cimento de nossa sociedade, é o que dá sentido e unidade a ela. Mas se trata de um sentido vazio e de uma unidade fraturada.

A unidade do capital se funda na separação das pessoas tornadas partículas racionais e competitivas entre si, cujo modelo moderno é o individualismo burguês, e o pós-moderno é o narcisismo de classe média, massivo a ponto de estruturar, na atualidade, a psique dos pobres (que se vê como auto-empreendedor). A unidade do capital é, paradoxalmente, a da fragmentação indiferenciada dos sujeitos abstratos.

A sociedade capitalista que se relaciona apenas pela lógica mercantil é, em sua concretude, essencialmente fraturada e se constitui como coletividade apenas no nível abstrato do Capital, pois os vínculos e relações sociais que a regem são constituídos pelo valor, o trabalho abstrato e a mercadoria. Estas categorias são essencialmente formais e vazias de sentido, ou melhor, podem ser preenchidas com quaisquer sentidos que não questionem a centralidade do capital.

Mas esta plasticidade extrema do sentido, que permite à cultura capitalista absorver todas as outras e (re)formá-las segundo a lógica formal da mercadoria, relativizando as tradições e conteúdos dos povos, coincide, afinal, com a ausência de sentido. Por conta dessa hegemonia da forma, da abstração e da quantidade (pois o Capital é também uma grandeza quantitativa), o capitalismo é incapaz de se constituir como uma comunidade concreta e, portanto, de construir sentidos para si.

Obs.: E novamente o fascismo reage ao vazio de sentido e à quebra comunitária do capitalismo, erguendo suas comunidades cimentadas pelo ódio, medo e ressentimento, cujo sentido (como significado, mas também como rumo, objetivo) passa a ser a insanidade da guerra e do morticínio, a destruição pela destruição e, por fim, o auto-aniquilamento.


In: Política e sujeito no capitalismo em colapso

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