Franklin (por Caio Resende)

O que sei? O que não sei?
O caminho é sempre breve.
Poucos olham ou sentem.
Isso é a vida: ser é uma pausa.
Trago a ruína de outras manhãs
e um precipício ancorado na língua.
A persistência inconsútil
do que é lida e distância,
do que não é a clériga calmaria
de domingos em família.
Ouço o crepitar dos anos
e procuro a minha face,
como se uma mão gestada na sombra
tocasse o útero de uma palavra.
Nunca fomos exatos.
O que nos orbita é vagaroso desapego.
Uma tarde – aquela. O conhaque,
o outono de um sorriso.
E me acho bem com os mortos –
calar é minha única ciência.
Nossa natureza ecoa das coisas.
Viver é ser vasto de ausência. 

Primeira impressão:

Não conhecia o autor. No começo me pareceu poesia (à moda) de velho: quem usa, num mesmo poema, palavras como inconsútil, crepitar e clériga? O último verso me lembrou Fernando Pessoa, mas me parece um autor com voz própria. Ando muito desconfiado de poemas contemporâneos em primeira pessoa, que costumam ser auto-elogiosos e auto-afirmativos em demasia. O eu lírico pós-moderno parece narcísico demais, prefiro os eus drummondianos auto-corrosivos e desiludidos de si. Mas o eu lírico neste poema, embora não seja irônico nem decadente, é contido, sóbrio e grave, estóico-heróico. A linguagem simples e direta ressalta as boas imagens como "vasto de ausência" e "precipício ancorado na língua".

Recolhi o poema do Mallarmargens.

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