Há um muro que à frente se amontoa (Por Álvaro Assis)

Há um muro que à frente se amontoa
Uma parede sem portas e janelas
Um sepulcro lacrado sem arestas
Contra isso, um homem pré-moldado
Sem vergalhões, embora a ferrugem
Deixou de imaginar o túnel, deixou de imaginar as trepadeiras, deixou...
Está lá e pronto, sem picareta, sem ponteiro
Não anseia desenhar com tijolo um ponto de fuga
Ou fazer corda de lençóis
Tem apenas uns poucos pregos no bolso e a testa como martelo
Quanto mais se aproxima, mais o muro cresce
Quanto mais se distancia, tanto mais as pernas se conformam

Primeira impressão

Uma imagem forte dá início ao poema. O muro se forma por si, como barreira intransponível, prisão-sepulcro do homem, cujas armas para superá-lo são uns poucos pregos e sua testa-martelo. Mas ele não tem armas por que é a realidade ou por que não deseja um "ponto de fuga" ou uma "corda de lençṍis"? É o muro da existência? A pedra no caminho? Barreiras sociais? Frustrações, desencantos, impotências do humano? O muro parece ter vida (quanto mais se aproxima mais o muro cresce), animada pela vivência do homem, que faz o muro crescer diante da possibilidade de sua liberdade, da aproximação dos limites autoimpostos. Quando se distancia do muro o homem se conforma, se acomoda em sua prisão-sepulcro. Pode até ser o muro do capitalismo, da sociedade da mercadoria... A linguagem é direta, mas onírica, atravessada por cortes semânticos e justaposições de imagens. Versos longos com uma bela sonoridade. Atentar para a aliteração em "r" em todo o poema e principalmente nos três primeiros versos: o amontoar da consoante (presente em "muro") ressoa o amontoar do muro de que os versos falam.

Poema recolhido no Mallarmargens.

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