10 junho, 2020

O repórter urubu



Fareja, ávido, o cheiro da morte.
Baixa sobre o corpo do morto
e faz a sensacional
necrofesta da TV local
ou em rede nacional.

Enquanto devora o morto
e chama os comerciais
derrama lágrimas de jacaré
sobre um fundo brega-musical...
Tão sentimental!

O repórter e sua luta heroica
pela liberdade sagrada da imprensa
de expor sem pudor
o espetáculo da violência,
a morte explícita,
o desespero e a dor
(para a satisfação sádica
do telespectador e o gozo
monetário da audiência).

O repórter urubu
acusa os parentes do morto (ao vivo)
de censurar o trabalho da imprensa:
"qualquer reação pode render BO,
processos, tribunais..."
Nas entrelinhas: engula
seu desespero e sua dor
e não enfrente o poder
da mídia e da grana.

O repórter se esbalda
nas necrofestas do asfalto:
bebe sangue, come corpos
e caga ouro.

O repórter urubu
é o verdadeiro alquimista
do século XXI.


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