07 abril, 2025

Oferenda ao leitor

Pequenas doses de veneno
no reino do entorpecimento

Ócios fora do alcance
dos tentáculos do entretenimento

Longas pausas desligadas
da hipermáquina de atenção

Janelas pro jardim de Epicuro
contra o mofo do Evangelistão

Fragmentos de fina ironia
em tempos de puro cinismo

Labirintos em volta do vácuo
num mundo ruindo em abismo

01 fevereiro, 2025

felis catus

flui
peixe-pluma 
entre o chão e o ar
                                 voar
quase a ponto de
pelos e passos macios
ouvidos e olhar afiados
enamora-se de estrelas
e telhados

mesmo sem fome
se põe sempre armado
e salta 
ágil e preciso
para a surpresa da presa
entre garras que a rasgam
sem pudor nem piedade

por vezes malvado
seu amor é intenso
mas implícito
visível apenas 
a quem se irmana com o seu
silêncio 
atento
ao mais sutil movimento




25 janeiro, 2025

Outra fera

          Por Franco Átila

É um bicho mágico
vive dentro do mito
encanta o encontro 
e os desencontros
seu fazer é rito
no turbilhão do tempo
todo espaço é templo
o corpo já é espírito
e o que tem serventia 
é também poesia... o mundo é
feito de deuses embriagados
pela guerra e pelo sexo
a tribo dança
o cauim encanta.

Retire o encanto do bicho
e torne o dia útil
e a noite um restaurar-se para o dia
e o ócio um alegrar-se para o dia
mais produtivo e útil.
O mundo 
do fundo da alma
ao alto das galáxias 
torna-se um mapa
de números inúmeros
regido pelos deuses do cálculo 
e da utilidade.

Retire a mágica do mundo
e ela voltará sorrateira
pela porta dos fundos
como bruma do inferno
(que se diz evangelho)
sob a alma high tech
do rebanho pós-moderno
ofuscando a vista
e engasgando a boca
dócil do cidadão amestrado
que agora rosna
arreganha os caninos
e saliva
a sanha assassina
de um delírio apocalíptico.

19 janeiro, 2025

Fera

Há os que limam 
ferozmente
as palavras
embora mintam
que o fazem
pacientemente.

Há os que se deixam tomar
pela ferocidade do verbo
crendo (cândidos) que são
beijos suaves da língua 
encantada das musas.

Mas desconfio que nem estes
nem aqueles nem ninguém
sabe os modos e os motivos
dessa fera que é ritmo
espanto e mal-entendidos.

Há ainda as coisas as bocas o mundo
de onde as palavras brotam 
e para onde gritam e se desembocam
tão ferozes quanto impotentes.

Limar palavras é limar 
o ser das coisas
até o osso do ser
ou seria mais uma
camuflagem da fera
que é só parecer?

Este olhar táctil e agudo
às coisas e seus absurdos
se escreve de ouvido
se sente com o fígado
fareja e ataca
e enfim nos arrasta
às ruínas do mundo.

A fera que uiva
e saliva poesia
regurgita a carniça 
de enganos e enigmas
da vida indigesta
(e nos lançamos a ela
como se fosse ambrosia).

O engenheiro onírico

Quando eu era menino, adorava brincar de carrinho.  Então, construía estradas, pontes, estacionamentos, postos,  calçadas e ruas, tudo muito...