Ofícios são gratificantes,
há evolução, maturidade, legado...
O poeta não
evolui,
mesmo que cresça
poeticamente, não acumula nada,
não incorpora nada em si,
nada para si
nada para ninguém.
Seu movimento furioso
e voluptuoso
conduz ao ponto zero
de onde a vida partiu.
A herança do poeta não é o conhecimento,
só uma sucessão de fugacidades
que talvez cintilem aos olhos
de alguém na cidade.
Fecham-se as páginas e ele
(poeta, poema, livro)
morre para sempre...
até a próxima abertura,
novo nascimento do nada.
O poeta gira em falso,
é um perpétuo
começo absoluto, criança eterna.
Humano
no ponto mais fundo do ser
humano, onde não se suporta mais
ser
o puro esvaecer, soldado raso,
tábula rasa, vaga
superfície do existir,
onda que mal emerge e já torna
a mar.
Talvez por isso busque o sagrado,
ilude-se revestindo seu ritmo
de religações do espírito.
No fundo
o poeta sabe
que sua voz e suas canções
apenas pulsam a passagem
entre o caos e o nada,
o tempo e seu esmaecimento,
o movimento da vida
e o muro inerte da morte.
O poeta comete o erro fatal
para a alegria de viver:
torna-se íntimo do desamparo
e da insignificância
que nos sustenta
cambaleantes
do abismo mais fundo do ser
inexistente
que somos.