25 maio, 2023

fogo furioso

a juventude
todas as carnes tesas
todas as peles lisas
toda desejo e impulso
tudo pulsa e amanhece
em luz e frescor
a juventude é bela
como nenhum deus foi
e como é feia a velha
pele descamada de um corpo
quase morto
mas
como é bela a feia
pele povoada por profundos
sulcos e barbas grisalhas
não pelos pelos nem pela
pele em si mas pelas marcas
da fúria do movimento
imperceptível de um corpo
que (ainda) vive


Retrato de um velho camponês (Van Gogh)

24 maio, 2023

moral da história

fala uma coisa
faz outra
a vida reta
que se prega
não é regra
mas a exceção
no Reino Cristão
reina a hipocrisia
entre ovelhas
e pastores
(quase todos 
com alma de lobo)
 
se avexe não
peça perdão
na hora de orar
e pague o dízimo
que a alma amanhece
limpa e leve
para mais pecar
e mais hipocrisia
mas tudo bem
tudo também
será perdoado
(pague o dízimo!)

ou talvez Deus
nem tenha notado
as tuas maldades
afinal Ele anda 
tão ocupado
em empreender 
o Novo Evangelho 
da Prosperidade
na Terra e no Céu
e até no Inferno! 
(pobre Diabo)




15 maio, 2023

Whitney

A mina de ouro do show business
ou a drogada sapata
condenada ao inferno 
no tribunal puritano?
Prefiro a lembrança
da alma sensível da artista
caída
no abismo da fama.

Não creio em deuses
mas qual orixá
cismou de moldar
um rosto de anjo
num corpo de ninfa
e essa boca, 
esse sopro
essa voz divina?




10 maio, 2023

fogo-fátuo

trinta e cinco não são nada
perto da idade do cosmo
perto da idade da terra
não são nada nem mesmo
perto do tempo da espécie
ou de uma fábula

trinta e cinco é o espaço
de tempo em que se vai
do auge do adulto às profundas
rugas de oitenta e se vislumbram
as núpcias com a iniludível
a nos sorrir das catacumbas

bem pensado bem pesado
o peso de oitenta verões
que os ombros já não suportam
é uma pluma ante as bilhões
de toneladas de anos-luz
das galáxias que nos ignoram



07 maio, 2023

Fome de alma

Fome de amar
fome de forma
fome de felicidade
é tão difícil falar
as ricas conotações da fome
quando há tanta fome. Fome
miserável e esquálida a vagar
no deserto concreto das cidades.




O engenheiro onírico

Quando eu era menino, adorava brincar de carrinho.  Então, construía estradas, pontes, estacionamentos, postos,  calçadas e ruas, tudo muito...