Prosa com um velho poeta

não saberás o rumo a seguir,
pois o caminho também não te espera
(Álvaro Pacheco)
 
Se ninguém te lê Mallarmé
quanto mais vosmecê
velho poeta da província
com suas canções desoladas
sobre o (não) sentido da vida,
suas canções de modernas feições
mas deslocadas da forma e da fúria
modernas, suas canções tão longe
deste chão miserável
onde o povo só pode pensar
no pão de amanhã que talvez faltará.
 
Ainda assim te entendo velho poeta
e é alegre e doce ler os poemas teus
tão céticos e amargos. Nalguns dias
a tua solidão me faz companhia.

Entendo também outras almas sensíveis,
poetas ou não, que podem meditar sobre o não
sentido da vida sem se preocupar com o pão
de amanhã, mas sentem raiva e angústia
(ou seria vergonha, culpa, má consciência?)
por tal privilégio, já que o resto do povo
só pode pensar no pão de amanhã 
que talvez faltará.
 
As almas sensíveis não conseguem/tentam escapar
da máquina do mundo que fabrica uma multidão
de bocas famintas e fabrica um muro e do outro
lado do muro, uma fartura infinita de pão
para tão poucas bocas bem saciadas. E entre estas
as almas sensíveis e tristes sonham
a alegria do dia em que todos, sem exceção
e se assim o quiserem, poderão meditar 
sobre o (não) sentido da vida sem se preocupar 
com o pão de amanhã, que a ninguém faltará.


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