27 junho, 2018
19 junho, 2018
O totalitarismo espiritual do capital
Por Franco Átila
A necessidade de chamar atenção pelas redes sociais é uma constante no mundo pós-moderno. Por que este desejo doentio de ser visto e supostamente admirado? Supostamente, pois a fama pós-moderna não é resultado do reconhecimento coletivo de algum talento pessoal. Ela é medida apenas pelo volume de atenção pública recebida por uma ação ou característica individual.
Na era do capital total, as pessoas se desumanizam num narcisismo infantilóide, cuja sustentação única é a medida quantitativa da audiência. Eventualmente, o narcisista pode até ganhar dinheiro com sua vaidade vazia, mas o importante é que este mecanismo de aferir a alma da pessoa pela audiência (quantidade abstrata) é análogo ao de aferir a riqueza (pessoal, empresarial ou nacional) com a quantidade de capital acumulado, ou seja, como riqueza abstrata - e desumana.
A alma das pessoas se constitui, agora, por grandezas abstratas e categorias formais, destituídas de sentido: renda, fama, produtividade, notas escolares, relógio, direito, democracia etc. Estamos, pela primeira vez na história, diante de um monoteísmo que conquistou, de fato, todas as almas do planeta, e cada palmo da alma. E esse Deus - único e verdadeiro - não é o Cristo, e sim Mamon.
No reino de Mamon, o que era humano se degrada no inumano das abstrações formais. Tudo é valor.
16 junho, 2018
Escravidão evangélica e dominação abstrata
Por Franco Átila
O evangélico (uma versão brasileira do protestante), como toda boa ovelha cristã, deve amoldar seu espírito à ordem social vigente. Max Weber já observou como o espírito protestante (disciplinado, trabalhador e ascético) se conforma bem à racionalidade burguesa, em contraste com o catolicismo, cuja função era moldar o espírito para a cosmovisão feudal do medievo.
Se o catolicismo sempre foi estranho ao capitalismo (não foi coincidência que a rebeldia religiosa mais contundente contra o capital, a Teologia da Libertação, tenha nascido no seio do catolicismo), o protestantismo e seu descendente latino-americano, o pentecostalismo evangélico, têm exatamente a função de moldar/escravizar o espírito à sociedade capitalista.
Trata-se portanto de fazer o espírito se curvar à dominação social exercida no interior de outra cultura, a moderna, moldada desde as entranhas pelo capital. Há algo extraordinário nesta dominação, que nenhuma outra cultura, nem as primitivas, nem as civilizadas, jamais experimentaram. É que no capitalismo, pela primeira vez na história da humanidade, a relação de poder fundamental não se circunscreve nos limites do humano, não se trata do domínio social de um grupo humano sobre o outro.
O marxismo tradicional até pode contestar tal afirmação, pois vê na exploração da classe trabalhadora pela burguesia, a dominação fundamental do capitalismo. Não se pode negar que nas sociedades capitalistas sempre há uma pequena elite que explora uma grande massa de trabalhadores e excluídos. Mas esta dominação, no capitalismo, embora seja importante, é secundária e não principal. Ela não define a sociedade capitalista e o homem moderno como uma cultura e subjetividade singulares, radicalmente diferentes das anteriores.
Mais que isso, a dominação exercida sobre os trabalhadores pela elite burguesa se dá por procuração, em nome do verdadeiro poder de mando no capitalismo, que é o valor (dinheiro). A elite, embora se beneficie da exploração do trabalho, não age por interesse próprio, mas sob as coerções da concorrência e do lucro, impostas pela lógica de valorização do capital. A elite capitalista age como capataz do valor.
A dominação principal do capitalismo, então, é aquela que o valor (de troca, o dinheiro) exerce sobre as pessoas, sejam elas de que classe forem. Esse foi o grande achado do Marx antropólogo, que conseguiu ver a singularidade da alma capitalista em contraste com todas as culturas anteriores à modernidade. Mas o que é o valor? Que poder é este que faz curvar diante de seu poder, não apenas o povo, mas também as elites burguesas? De acordo com Marx, é uma quantidade abstrata de tempo de trabalho necessária para produzir uma mercadoria.
A vida humana, no capitalismo, gira em torno dessa unidade mágica e abstrata chamada valor, uma quantidade abstrata de tempo de trabalho, que circula e se acumula sob o nome de capital. Por se tratar de uma quantidade abstrata, o valor (e o capital) é, por natureza, vazio de conteúdo, tratando-se de uma espécie de forma pura, uma abstração vazia mas real e atuante socialmente, pois é o valor e suas leis (mais valia, concorrência, acumulação) que dirigem a vida social no capitalismo.
Valor, trabalho, mercadoria e capital são as categorias básicas e interdependentes em torno das quais a vida gira no regime capitalista. O trabalho é a substância do valor, pois na definição de valor, este se constitui exatamente como tempo de trabalho. A mercadoria é a encarnação do valor (como trabalho passado) numa coisa material (bens) ou imaterial (serviços). O capital é o próprio valor que se valoriza, ou seja, é valor em movimento.
A novidade dessa dominação é que ela não se exerce diretamente, a partir de um grupo humano sobre o outro, mas por meio do trabalho. É pela via indireta do trabalho remunerado (que já é valor) que a burguesia explora o operariado e por meio da mais valia (lucro) acumula capital. Mas a questão no capitalismo é que o meio (valor/trabalho) de dominação acaba por se tornar um fim em si mesmo e passa a dominar a todos, independente do grupo social a que se pertença.
É esta dominação que o evangélico têm que aceitar, moldando seu espírito de acordo com o mundo do valor/trabalho. Mas se o valor é uma entidade abstrata e vazia de conteúdo, que outro espírito ele não poderia gerar, senão um também vazio e abstrato? Pois assim é o sujeito moderno, puramente formal e abstrato, destituído de conteúdo. O sujeito do direito e da democracia representativa é a expressão explícita desta subjetividade formal. Este sujeito moderno se crê livre mas é controlado, sem o saber, pelo sujeito automático, que é o próprio capital.
O problema é que este sujeito abstrato do valor/trabalho, destituído de consciência e dotado de uma racionalidade meramente instrumental, é fundamentalmente desumano, o que causa um terrível desconforto psíquico no homem moderno, que sente todos os conteúdos potenciais de sua humanidade se esvaírem pelo ralo da abstração cega do capital.
A tarefa do cristianismo evangélico (e protestante) é moldar o espírito a esta dominação abstrata e desumana do capital, e fazer crer que, no Cristo, há ainda algum conteúdo humano que possa ser recuperado pelo homem moderno. Mas o verdadeiro e único Cristo do capitalismo é Mamon. É à Mamom, o Deus vazio, cego e abstrato do capitalismo, que a igreja evangélica faz dobrar o espírito de seus fiéis, na pior escravidão espiritual que já existiu na face da terra.
14 junho, 2018
A praga evangélica
Por Franco Átila
Em última análise, todo ser humano, sob o capitalismo atual é evangélico-protestante nas profundezas de seu espírito, mesmo que se declare católico, pagão ou ateu. Se a pessoa se converte ao cristianismo evangélico, como tantos estão a fazer no Brasil atual, ela está apenas explicitando o Deus que já habita as entranhas de sua alma e se encontrava em estado de latência. E este Deus só é o Cristo em aparência.
O ética do trabalho do homem-mercadoria, o ganhar e gastar do homem reto (a pessoa de bem), a disciplina para o estudo e a poupança (o próprio estudo é uma acumulação de capital humano para o futuro), a racionalidade instrumental, a subjetividade abstrata e puramente formal desdobrada no direito e na democracia, todos estes valores democráticos se coadunam com uma vida humana entregue ao capital, dedicada ao único e verdadeiro Deus protestante: Mamon.
E o homem protestante ideal, por sua vez, é idêntico ao homem classe média, outrora chamado pequeno burguês, esta subjetividade vazia, fragmentada e abstrata que realiza o sujeito automático do capital de forma quase perfeita.
Se o capitalista foi chamado por Marx de representante do capital, utilizado por este último como instrumento para a exploração do operariado (os fodidos pelo capital), o homem de classe média é a encarnação do capital no humano: é o capital como sujeito automático tornado humano, espírito santo de Mamon impregnando o primata homo sapiens para transmutá-lo em homo economicus.
No capitalismo atual, a grande maioria de humanos miseráveis que habita o planeta tem um único e obsessivo objetivo: tornar-se homem de classe média. Em verdade, já o são em espírito, pois procuram se educar a si e aos seus para a cidadania e o mercado e se aferram ao rígido ascetismo protestante da disciplina para o trabalho e o mercado. Falta a esta maioria miserável, apenas a bênção de Mamom, tocando suas almas com o milagre da prosperidade e tornando-as ricas em valor (financeiramente). E continuará faltando, pois a bênção do “fazer pé de meia” será dada a cada vez menos pessoas no capitalismo global.
E para quê existe o homem classe média se não para se doar inteiro para o capital? Inclusive em seu tempo livre de trabalho, ele se entrega, como consumidor, à indústria do entretenimento. Nem mesmo a arte o salva de Mamom, pois sua tendência é consumir massivamente uma arte pop acrítica e superficial, desenvolvida inteiramente sob as leis mercantis de Mamon.
O homem ideal do capitalismo total da atualidade é o homem classe média, idêntico ao cristão protestante/evangélico. A praga evangélica é bem mais geral e profunda do que se pensa, no Brasil e fora dele.
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