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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

Os iconoclastas modernos são crentes involuntários

“Tudo que é sólido se desmancha no ar”. Sob o capitalismo o tempo histórico se acelera de tal forma que a mudança se torna rotina. Ciência, técnica, vida cotidiana, costumes, moral, visões de mundo, tudo se encontra em permanente transformação. No campo do pensamento não é diferente, a começar pela filosofia que demoliu a teologia e, num processo de revolução interna permanente, demoliu todas as sua ontologias, criticando impiedosamente o pensamento do Ser, da Estrutura, da Razão, do Sujeito e da Ideia. Nas esteira dos demolidores do Ser da filosofia, cujo maior representante é Nietzsche, todas as humanidades e ciências sociais recusaram o pensamento do Ser, seja ele anterior à modernidade, que se afirmava explicitamente como grande narrativa, sejam o que surgiu no seu decorrer, como o marxismo e a psicanálise, que se propunham escapar das armadilhas ontológicas do Ser. Os intelectuais do pós-modernismo, auge da crítica e demolição do ser, reprovavam as ideias de Marx e Freud que, sob

Há um muro que à frente se amontoa (Por Álvaro Assis)

Há um muro que à frente se amontoa Uma parede sem portas e janelas Um sepulcro lacrado sem arestas Contra isso, um homem pré-moldado Sem vergalhões, embora a ferrugem Deixou de imaginar o túnel, deixou de imaginar as trepadeiras, deixou... Está lá e pronto, sem picareta, sem ponteiro Não anseia desenhar com tijolo um ponto de fuga Ou fazer corda de lençóis Tem apenas uns poucos pregos no bolso e a testa como martelo Quanto mais se aproxima, mais o muro cresce Quanto mais se distancia, tanto mais as pernas se conformam Primeira impressão Uma imagem forte dá início ao poema. O muro se forma por si, como barreira intransponível, prisão-sepulcro do homem, cujas armas para superá-lo são uns poucos pregos e sua testa-martelo. Mas ele não tem armas por que é a realidade ou por que não deseja um "ponto de fuga" ou uma "corda de lençṍis"? É o muro da existência? A pedra no caminho? Barreiras sociais? Frustrações, desencantos, impotências do humano? O muro parece ter vida (qu

Franklin (por Caio Resende)

O que sei? O que não sei? O caminho é sempre breve. Poucos olham ou sentem. Isso é a vida: ser é uma pausa. Trago a ruína de outras manhãs e um precipício ancorado na língua. A persistência inconsútil do que é lida e distância, do que não é a clériga calmaria de domingos em família. Ouço o crepitar dos anos e procuro a minha face, como se uma mão gestada na sombra tocasse o útero de uma palavra. Nunca fomos exatos. O que nos orbita é vagaroso desapego. Uma tarde – aquela. O conhaque, o outono de um sorriso. E me acho bem com os mortos – calar é minha única ciência. Nossa natureza ecoa das coisas. Viver é ser vasto de ausência.   Primeira impressão: Não conhecia o autor. No começo me pareceu poesia (à moda) de velho: quem usa, num mesmo poema, palavras como inconsútil, crepitar e clériga? O último verso me lembrou Fernando Pessoa, mas me parece um autor com voz própria. Ando muito desconfiado de poemas contemporâneos em primeira pessoa, que costumam ser auto-elogiosos e auto-afirmativos