dos tentáculos do entretenimento
da hipermáquina de atenção
contra o mofo do Evangelistão
em tempos de puro cinismo
num mundo ruindo em abismo
Escritos de Wilton Cardoso
não queira que eu esteja aqui
não queira que eu seja agora
saber-me inteiro não queira
coisa que nem mesmo eu quis
há tantas metades minhas
espalhadas pelo tempomundo
nãonunca me saberei
quandondeuoutroeuvários
rastro de animal nenhum
eu soo pleno ao contrário
o abismo do abismo em mim
sem fundo limiar sem fim
e a cabeça aluada
voa aos confins
ah! quemninguéns
jamais vos me alcançareis
Aura
que bela palavra!
Mística, aérea, etérea
alvorada da vertigem d'alma.
Mão, rosto... o corpo à esquerda
me formiga. Fornicam na cabeça
dormências e dores. Ó sinistra
brisa que me haure a alma!
Cefaliv te acalme
Aura
que cada qual encontre o seu caminho
que não haja, nele, tantos espinhos
que, no entanto, haverá em qualquer caminho
que saibam, então, se desviar dos espinhos
que se aprende, talvez, após muito caminho
que, enfim, apesar do peso dos espinhos
que seja longo e pleno e leve o caminho
a pessoa é um cisco
na face da terra
a terra é um cisco
em torno do sol
o sol é um cisco
num rincão da galáxia
e a galáxia é um cisco
na amplidão do universo
há mais sóis na galáxia
e mais galáxias no céu
que pessoas na terra
e neurônios no cérebro
como pode tudo isso
caber na cabeça
de uma pessoa-cisco
(do cisco do cisco
do cisco) do cosmo?
os corpos se tocam
confundem se enroscam
as almas no entanto
galáxias distantes
milhões de eros-luz
Ó Drummond
Também quero a eternidade
Cansei da instantaneidade
Da pós-modernidade
Quero ficar
Para a posteridade!
Mas haverá pos
ter
id
da
de
?
Seca manhã de setembro
ruídos e carros
calor e fuligem
das matas de ontem.
Em meio ao caos
das ruas de hoje
um carro amanhece
coberto de flores.
Quando havia utopia
o mundo era escuro
mas o sol nascia no futuro.
O mundo era muito
desigual e bruto e falar
temerário
mas havia a esperança de um dia
se acordarem (e rimarem) os contrários.
A música era alegre
com um pingo de tristeza
ou seria triste
com lampejos de alegria?
Eu era menino e pouco
da vida eu sabia
sei que a TV me ninava
toda noite com João e Maria
quando havia (ainda) utopia.
Olho para cima e um pastor furioso
cospe o Evangelho ao pecador comunista
ateu, macumbeiro, gay, feminista...
Olho para baixo e a Terra se esboroa
em monturos de lixo e nuvens de fuligem
devorada pela fábrica de mercadorias.
Olho à direita e se arreganham caninos fascistas
e se entoam as ladainhas do empreendedorismo
e os mantras sagrados do livre mercado.
Olho à esquerda e não vejo nada, nada imagino
minha cabeça avoada fincou, enfim, os pés no chão
e cercou-se da realidade
(minha cabeça perdeu
o descaminho dos sonhos, perdeu
sua sanidade).
Quando eu era menino, adorava brincar de carrinho. Então, construía estradas, pontes, estacionamentos, postos, calçadas e ruas, tudo muito...