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O engenheiro onírico

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Quando eu era menino, adorava brincar de carrinho.  Então, construía estradas, pontes, estacionamentos, postos,  calçadas e ruas, tudo muito rudimentar, a imaginação é que sofisticava a obra.  No meu sonho de olhos abertos  aquele pequeno e tosco universo ganhava detalhes, se movia, funcionava  que nem uma cidade, melhor ainda,  uma ultracidade cheia de Graça e Vida.  Eram horas e horas absorto no parto  de um mundo que se fazia  com a terra vermelha do quintal  e o cimento da fantasia.  Depois que tudo estava pronto,  finalmente chegara o grande momento  de brincar de carrinho, de imitar os adultos  na faina diária, brincar de viver, de ser  gente grande de verdade!  Mas como era chato! Não havia mais nada  para se construir no chão do quintal  nem nas nuvens da minha cabeça, avoada desde aquele tempo.  Eu nunca gostei de brincar de carrinho,  eu queria mesmo era construir caminhos,  estradas de terra  para longe daqui, estradas de sonho para o sem fim de mim. (Mas eu queria muito gos

Dos filhos

Que cada qual encontre o seu caminho Que não haja nele tantos espinhos Que no entanto haverá em qualquer caminho Que saibam então se desviar dos espinhos Que com sorte se aprende após muito caminho Que enfim apesar do peso dos espinhos Que seja longo e pleno e leve o caminho

cis(co)smo

a pessoa é um cisco  na face da terra a terra é um cisco  em torno do sol o sol é um cisco  num rincão da galáxia e a galáxia é um cisco na amplidão do universo há mais sóis na galáxia  e mais galáxias no céu que pessoas na terra como pode tudo isso caber na cabeça  de uma pessoa-cisco (do cisco do cisco  do cisco) do cosmo?

há/ah amor?/!

os corpos se tocam confundem se enroscam as almas no entanto galáxias distantes milhões de eros-luz

Posteridade

Ó Drummond Também quero a eternidade Cansei da instantaneidade Da pós-modernidade Quero ficar Para a posteridade! Mas haverá pos                                  ter                                             id                                                  da                                                      de                                                        ?            

Pequena primavera num inverno infernal

Seca manhã de setembro ruídos e carros calor e fuligem das matas de ontem. Em meio ao caos das ruas de hoje um carro amanhece coberto de flores.

súplica

alguém me dê esperança me livre do coiso me acenda o riso me ascenda a alma me percorra o corpo um frenesi de energia um transbordar de alegria que há muito não ri alguém um líder um profeta um sábio uma bruxa um anjo um pássaro um totem um presságio (a flor do poeta nascida no asfalto) algo ou alguém   o que for me mostre o estreito caminho me revele o improvável porvir que não caia no abismo ao fim e quando vier a mim dádiva   graça   benesse me transcenda me atravesse e contagie toda a gente e que este tempo besta este temporal de perrengues pragas selos tristes trombetas vá pro diabo que o carregue

clima

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de fim de festa fim de mundo    um dilúvio de fumaça despenca de rios voadores (e nos afoga no ar) céu cerrado tórridas serrarias soja e gado fogo e cinzas o mato cinza a cidade cinza a vida cinza a hora cinza e este chão árido doente sob o sol pálido inclemente

toda forma

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ah!

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efêmera flor        áspera flor             ávida flor                   ave da flor                                             da vida ah! vida-flor

Dias dançantes

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              Vem, me dê a mão               A gente agora já não tinha medo                (Chico Buarque) Quando havia utopia o mundo era escuro mas o sol nascia no futuro. O mundo era muito desigual e bruto e falar temerário mas havia a esperança de um dia se acordarem (e rimarem) os contrários. A música era alegre com um pingo de tristeza ou seria triste com lampejos de alegria? Eu era menino e pouco da vida eu sabia sei que a TV me ninava toda noite com João e Maria quando havia (ainda) utopia.    

Cerco

Olho para cima e um pastor furioso cospe o Evangelho ao pecador comunista ateu, macumbeiro, gay, feminista... Olho para baixo e a Terra se esboroa  em monturos de lixo e nuvens de fuligem  devorada pela fábrica de mercadorias. Olho à direita e se arreganham caninos fascistas e se entoam as ladainhas do empreendedorismo  e os mantras sagrados do livre mercado. Olho à esquerda e não vejo nada, nada imagino minha cabeça avoada fincou, enfim, os pés no chão  e cercou-se da realidade (minha cabeça perdeu o descaminho dos sonhos, perdeu sua sanidade).  

efêmera flor

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o que sobra de ti       se derrama             se esparrama                   lava e lama o que sobra de ti       são os porres o porre dos bares o porre de um filme       uma canção              a arte que for o porre de um pôr       do sol entre os prédios   e o porre total       da porra do amor

Ave do acaso

          se você vier pro que der e vier comigo           eu lhe prometo o sol           se hoje o sol sair           (G. Azevedo e R. Rocha)   o meu canto é mais silêncio do que som é mais desnorteio que abrigo  é ascender às sombras do fundo do abismo mínima melodia ritmo incerto desarmonia   mas se você vier  comigo vou te levar ao limiar entre o chão e o mar, o mar  e o ar, entrelugar  onde o eu e o tu se entrelaçam a noite se faz dia claro o canto se perde do tempo e em ondas de sonho flutuam inefáveis naves do acaso

Preciso

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Bem ou mal, cantar eu sei, ou não. Preciso saber? Preciso é aprender tocar fogo em tudo que seja preciso: tocar o foda-se.

Ultimato

Pobres modernos perdidos no impasse das palavras a cada poema o fim da linha  cada passo a um passo do abismo. Do silêncio do livro o poeta grita à multidão de surdos:         o mundo está moribundo         o sentido é absurdo         o buraco não tem fundo         se eu me chamasse Raimundo... A solução seria rimar o branco da página com o niilismo do não? Pobres modernos poemas tão belos mas ermos, enfermos fragmentos de fina ironia labirintos em volta do vácuo ecos sem voz de fato sombras de nenhuma Ideia.         Mais um gole e se acabou         palavras não dizem mais nada         absintos de Rimbaud. Pobres modernos este vai ser mesmo o último não há motivo pra mais tudo já foi dito.         Amanhã o poeta se trai         e mais um poema floresce         na vida que se esvai.

Gaza - Palestina

o horror     o horror   ó Palestina      a mãe procura os cadáveres dos filhos sob os escombros    o choro           da menina de pele queimada   a morte ao vivo     nas telas da internet      o horror que se repete e se repete e se repete      armênios   Gueto de Varsóvia    Auschwitz os genocídios    de russos e chineses          Vietnã    Camboja    Iraque   Sudão      Líbia   Síria   Iêmen    tantos outros novo milênio    século XX    Modernidade         tantos indígenas   africanos   orientais                 ó Palestina sois todos eles agora        sois a síntese                 de todos massacres                          condensados            no circo de horrores de Gaza não entra comida ou remédio    só o ódio        irremediável dos soldados                     e a chuva de bombas  sobre casas e escolas     hospitais e mesquitas       não há refúgio ou descanso em Gaza            onde as pessoas morrem agora                 de morte matada                        por bomba ou

Nada com nada

Compor canções edificantes ou terrificantes, edificações exímias sobre o Nada que é a vida, formas perfeitas com a carne das palavras e a alma do artista. Voz séria, ébria ou irônica a ritmar sem fim... Não, hoje eu quero ir ao dentista e errar depois pelo Centro  esquecido de Goiânia, com suas praças e vielas que escondem calçadas quebradas, frestas de onde brotam capim e casinhas art déco . Hoje eu não quero alçar a Voz aos abismos nem às alturas do Nada ou do Ser, quero ser o corpo que sou, pó sem voo, mero cisco no chão de asfalto e cimento. Nenhum regozijo, sequer um lamento. Hoje eu não quero nada com nada.

sol alto

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uma língua de silêncio cintila no mar de ruídos da avenida um mar largo de ruas e ruínas tragados na voz muda ó canto que não canta no asfalto nasce o poema: sol alto  x

Precipitação

Pra que tanta angústia insone ansiedade? Esse medo de chuva... Olha as árvores dançando ao vento da chuva que vem secando ao sol da chuva que passou. Versão alternativa: Pra que tanta angústia insone ansiedade? Esse medo de chuva... Olha as árvores dançando ao vento do temporal que vem secando ao sol depois do mau tempo que passou.

Qual sentido?

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círculo virtuoso?                     O                       vicioso? ou