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O engenheiro onírico

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Quando eu era menino, adorava brincar de carrinho.  Então, construía estradas, pontes, estacionamentos, postos,  calçadas e ruas, tudo muito rudimentar, a imaginação é que sofisticava a obra.  No meu sonho de olhos abertos  aquele pequeno e tosco universo ganhava detalhes, se movia, funcionava  que nem uma cidade, melhor ainda,  uma ultracidade cheia de Graça e Vida.  Eram horas e horas absorto no parto  de um mundo que se fazia  com a terra vermelha do quintal  e o cimento da fantasia.  Depois que tudo estava pronto,  finalmente chegara o grande momento  de brincar de carrinho, de imitar os adultos  na faina diária, brincar de viver, de ser  gente grande de verdade!  Mas como era chato! Não havia mais nada  para se construir no chão do quintal  nem nas nuvens da minha cabeça, avoada desde aquele tempo.  Eu nunca gostei de brincar de carrinho,  eu queria mesmo era construir caminhos,...

felis catus

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flui peixe-pluma  sobre móveis e muros entre o chão e o ar                                  voar quase a ponto de pelos e passos macios ouvidos e olhar afiados enamora-se de estrelas e telhados mesmo sem fome se põe sempre armado e salta  ágil e preciso para a surpresa da presa entre garras que a rasgam sem pudor nem piedade por vezes malvado seu amor é intenso mas implícito visível apenas  a quem se irmana com o seu silêncio  atento ao mais sutil movimento

Outra fera

          Por Franco Átila É um bicho mágico vive dentro do mito encanta o encontro  e os desencontros seu fazer é rito no turbilhão do tempo todo espaço é templo o corpo já é espírito e o que tem serventia  é também poesia... o mundo é feito de deuses embriagados pela guerra e pelo sexo a tribo dança o cauim encanta. Retire o encanto do bicho e torne o dia útil e a noite um restaurar-se para o dia e o ócio um alegrar-se para o dia mais produtivo e útil. O mundo  do fundo da alma ao alto das galáxias  torna-se um mapa de números inúmeros regido pelos deuses do cálculo  e da utilidade. Retire a mágica do mundo e ela voltará sorrateira pela porta dos fundos como bruma do inferno (que se diz evangelho) sob a alma high tech do rebanho pós-moderno ofuscando a vista e engasgando a boca dócil do cidadão amestrado que agora rosna arreganha os caninos e saliva a sanha assassina de um delírio apocalíptico.

Fera

Há os que limam  ferozmente as palavras embora mintam que o fazem pacientemente. Há os que se deixam tomar pela ferocidade do verbo crendo (cândidos) que são beijos suaves da língua  encantada das musas. Mas desconfio que nem estes nem aqueles nem ninguém sabe os modos e os motivos dessa fera que é ritmo espanto e mal-entendidos. Há ainda as coisas as bocas o mundo de onde as palavras brotam  e para onde gritam e se desembocam tão ferozes quanto impotentes. Limar palavras é limar  o ser das coisas até o osso do ser ou seria mais uma camuflagem da fera que é só parecer? Este olhar táctil e agudo às coisas e seus absurdos se escreve de ouvido se sente com o fígado fareja e ataca e enfim nos arrasta às ruínas do mundo. A fera que uiva e saliva poesia regurgita a carniça  de enganos e enigmas da vida indigesta (e nos lançamos a ela como se fosse ambrosia).

Horizonte de contágio

Eu odeio este país cheio de pobres negros ignorantes bichas vadias sapatas macumbeiros... Eu odeio ainda mais esta praga de brancos classe média ricos liberais sofisticados héteros cristãos conservadores... Eu amaria um país fervilhando corpos frágeis e efêmeros como são os corpos todos fervilhando pessoas cada qual seu jeito seus defeitos seu nexo e sexo sagrado deus seus eus manias e alegrias tribo e ritos seu gosto e desgostos seu tino desatino destino que a pessoa qualquer  possa e tenha  (mesmo) exatamente o mesmo que qualquer outra pessoa mesmo sendo cada uma uma distinta pessoa... Eu amaria um país contagiado de pessoas.

imprecação

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 trevas não te atrevas que te cravo esta cruz que te grafo três letras luz

dismindfulness

não queira que eu esteja aqui não queira que eu seja agora saber-me inteiro não queira coisa que nem mesmo eu quis há tantas metades minhas espalhadas pelo tempomundo nãonunca me saberei quandondeuoutroeuvários rastro de animal nenhum eu soo pleno ao contrário o abismo do abismo em mim sem fundo limiar sem fim e a cabeça aluada voa aos confins ah! quemninguéns  jamais vos me alcançareis

Aura

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Aura que bela palavra! Mística, aérea, etérea alvorada da vertigem d'alma. Mão, rosto... o corpo à esquerda me formiga. Fornicam na cabeça dormências e dores. Ó sinistra brisa que me haure a alma! Cefaliv te acalme Aura

Dos filhos

que cada qual encontre o seu caminho que não haja, nele, tantos espinhos que, no entanto, haverá em qualquer caminho que saibam, então, se desviar dos espinhos que se aprende, talvez, após muito caminho que, enfim, apesar do peso dos espinhos que seja longo e pleno e leve o caminho

cis(co)smo

a pessoa é um cisco  na face da terra a terra é um cisco  em torno do sol o sol é um cisco  num rincão da galáxia e a galáxia é um cisco na amplidão do universo há mais sóis na galáxia  e mais galáxias no céu que pessoas na terra e neurônios no cérebro como pode tudo isso caber na cabeça  de uma pessoa-cisco (do cisco do cisco  do cisco) do cosmo?

há/ah amor?/!

os corpos se tocam confundem se enroscam as almas no entanto galáxias distantes milhões de eros-luz

Posteridade

Ó Drummond Também quero a eternidade Cansei da instantaneidade Da pós-modernidade Quero ficar Para a posteridade! Mas haverá pos                                  ter                                             id                                                  da                                                      de                                                        ?    ...

Pequena primavera num inverno infernal

Seca manhã de setembro ruídos e carros calor e fuligem das matas de ontem. Em meio ao caos das ruas de hoje um carro amanhece coberto de flores.

súplica

alguém me dê esperança me livre do coiso me acenda o riso me ascenda a alma me percorra o corpo um frenesi de energia um transbordar de alegria que há muito não ri alguém um líder um profeta um sábio uma bruxa um anjo um pássaro um totem um presságio (a flor do poeta nascida no asfalto) algo ou alguém   o que for me mostre o estreito caminho me revele o improvável porvir que não caia no abismo ao fim e quando vier a mim dádiva   graça   benesse me transcenda me atravesse e contagie toda a gente e que este tempo besta este temporal de perrengues pragas selos tristes trombetas vá pro diabo que o carregue

clima

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de fim de festa fim de mundo    um dilúvio de fumaça despenca de rios voadores (e nos afoga no ar) céu cerrado tórridas serrarias soja e gado fogo e cinzas o mato cinza a cidade cinza a vida cinza a hora cinza e este chão árido doente sob o sol pálido inclemente

toda forma

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ah!

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efêmera flor        áspera flor             ávida flor                   ave da flor                                             da vida ah! vida-flor

Dias dançantes

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              Vem, me dê a mão               A gente agora já não tinha medo                (Chico Buarque) Quando havia utopia o mundo era escuro mas o sol nascia no futuro. O mundo era muito desigual e bruto e falar temerário mas havia a esperança de um dia se acordarem (e rimarem) os contrários. A música era alegre com um pingo de tristeza ou seria triste com lampejos de alegria? Eu era menino e pouco da vida eu sabia sei que a TV me ninava toda noite com João e Maria quando havia (ainda) utopia.    

Cerco

Olho para cima e um pastor furioso cospe o Evangelho ao pecador comunista ateu, macumbeiro, gay, feminista... Olho para baixo e a Terra se esboroa  em monturos de lixo e nuvens de fuligem  devorada pela fábrica de mercadorias. Olho à direita e se arreganham caninos fascistas e se entoam as ladainhas do empreendedorismo  e os mantras sagrados do livre mercado. Olho à esquerda e não vejo nada, nada imagino minha cabeça avoada fincou, enfim, os pés no chão  e cercou-se da realidade (minha cabeça perdeu o descaminho dos sonhos, perdeu sua sanidade).  

efêmera flor

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o que sobra de ti       se derrama             se esparrama                   lava e lama o que sobra de ti       são os porres o porre dos bares o porre de um filme       uma canção              a arte que for o porre de um pôr       do sol entre os prédios   e o porre total       da porra do amor

Ave do acaso

          se você vier pro que der e vier comigo           eu lhe prometo o sol           se hoje o sol sair           (G. Azevedo e R. Rocha)   o meu canto é mais silêncio do que som é mais desnorteio que abrigo  é ascender às sombras do fundo do abismo mínima melodia ritmo incerto desarmonia   mas se você vier  comigo vou te levar ao limiar entre o chão e o mar, o mar  e o ar, entrelugar  onde o eu e o tu se entrelaçam a noite se faz dia claro o canto se perde do tempo e em ondas de sonho flutuam inefáveis naves do acaso