A crítica do valor e a pessoa de bem

Por Franco Átila

A crítica do valor é uma reserva espiritual da humanidade, caso as pessoas se decidam pela tomada de consciência e, a partir daí, pela emancipação do capitalismo.

A crítica do valor aponta exatamente para a causa da crise atual (econômica, social e cultural) do capitalismo mundial, ou seja, para o próprio capital e sua dinâmica de valorização ilimitada de valor, que destrói a psique e a sociedade humanas, e também a natureza.

A crítica do valor não é complicada, mas é extremamente difícil de ser aceita para o homo economicus, a pessoa de bem cristã de alma protestante (mesmo quando católica ou ateia), amante do trabalho e forjada, no fundo, pela religião de Mamon. A pessoa de bem aceita como eternas e naturais as categorias básicas do capitalismo - valor, trabalho e mercadoria -, como se fosse da natureza de todas as sociedades humanas se assentarem em tais princípios.

A crítica do valor, contrariamente ao senso comum da pessoa de bem, afirma que o valor (e o dinheiro, sua expressão superficial), o trabalho e a mercadoria são categorias históricas e, mais que isso, exclusivas da cultura capitalista. Por afirmar a historicidade dessas categorias capitalistas, recusando-as, portanto, como ontológicas/trans-históricas, a crítica do valor parece tão complicada à pessoa de bem. Não se trata, na verdade, de uma questão de complexidade da crítica do valor, mas da impossibilidade de sua aceitação: como aceitar uma verdade que abalaria o fundamento de todas as “verdades” da pessoa de bem?

A crítica do valor, contrariamente ao maniqueísmo vulgar da mentalidade protestante que impregna a psique das pessoas no capitalismo, inclusive as “de esquerda”, recusa a ideia de que a dominação fundamental seja exercida por um grupo social minoritário (a elite) sobre a maioria (o povo). Ela afirma que a elite, embora explore o povo, também é dominada pelas coerções abstratas e impessoais do capital.

Esta despersonalização do domínio machuca profundamente a mentalidade cristã da pessoa de bem, adestrada desde a infância para o maniqueísmo vulgar e sedento para descarregar suas frustrações num Judas, seja ele o judeu, o banqueiro, o negro, o árabe, o imigrante, o comunista, a mulher, o petista, o gay, o macumbeiro, o ateu etc.

A pessoa de bem é aquela cuja alma é impregnada pela mentalidade classe média e certamente abrange a esmagadora maioria da população mundial. Pois mesmo os que estão na miséria e nunca chegarão materialmente à classe média, anseiam ardentemente por esta condição, seja pela via rápida do consumo, seja pelo caminho estreito do auto-adestramento para o trabalho duro. No capitalismo tardio da atualidade, mesmo o mais miserável favelado é, em espírito, uma pessoa de bem/classe média.

A pessoa de bem é uma frustrada congênita, mesmo quando ela é, de fato, uma vencedora social, ou seja, atinge a condição de vida da classe média. Ela se frustra porque a classe média é, por natureza, espiritualmente miserável, pois sujeita a alma humana às necessidades do capital, essencialmente desumanas. 

A pessoa de bem é frustrada, sem o saber, por se desumanizar para servir ao capital. E esta desumanização se chama trabalho abstrato ou simplesmente trabalho, que aliena a pessoa de sua humanidade e a transforma em mercadoria (capital individual), cujo principal objetivo é reproduzir o capital, ou seja, perpetuar Mamon.

A pessoa de bem é escrava do capital/dinheiro.

A pessoa de bem, frustrada desde as entranhas da alma, se torna, então, um poço de medo, ódio e ressentimento, sob a máscara da civilização. Por isso, ela precisa de um inimigo, um bode expiatório, um Judas para descarregar o seu rancor.

A pessoa de bem acha insuportável que não haja Judas algum para alimentar seu ódio, que o problema de sua sociedade e de sua psique é exatamente o Deus que ela inconscientemente tanto adora: o Capital (Mamon). Ela acha insuportável que esse deus seja uma potência cega e abstrata, nem boa nem má, o que frustra a sua sede por sangue.

A pessoa de bem quer o prazer sádico dos fornos crematórios para os judeus, do tronco para os negros e do pau de arara para os comunistas. O enfrentamento do capital, por outro lado, exige um ímpeto crítico, mas racional, uma ação combativa, mas serena e consciente da inutilidade do ódio e da demência sádica na luta contra o capital. 

A emancipação do capitalismo exige um espírito de revolta oposto aos delírios maniqueístas-fascistoides da pessoa de bem, pois se baseia na análise lúcida e no questionamento das “verdades” fundamentais da cultura capitalista e, em consequência, de suas próprias verdades íntimas.

A pessoa de bem quer conservar, deseja o status quo e acha insuportável a autocrítica do fundamentos culturais e psíquicos do capitalismo: trabalho, valor e mercadoria.

Quando a pessoa de bem (burguesa ou operária), estiver pronta para uma (auto)revolução cultural que a transforme finalmente numa pessoa livre do trabalho, do dinheiro e da lógica da mercadoria, enfim, livre dos grilhões do capital, então a crítica do valor estará esperando pacientemente por ela, para ajudá-la em sua emancipação.

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