Nobres & vagabundos: o pesadelo dos artistas

Por Franco Átila

Embora a arte tenha permanecido, em grande parte, independente do mundo capitalista, como universo e como fazer estéticos, ela não está imune à expansão do capital a todas as esferas da vida. Na verdade, desde a invenção da imprensa (desde os primórdios do capitalismo, portanto) o capital tenta se apropriar da arte como mercadoria.

E o primeiro artista pop é ninguém menos que o Deus cristão. A reprodutibilidade da Bíblia impressa preludia a mercantilização da arte, que mais tarde os frankfurtianos vão chamar de indústria cultural.

Na esteira da narrativa bíblica, o romance será, por muito tempo, o epicentro desta crescente tensão entre o mundo “fictício” da arte e o mundo “real” da mercadoria, numa luta em que o este último tenta adestrar as forças selvagens daquele, absorvendo o fazer afetivo do artista no trabalho instrumental do burguês. O estatuto do romance oscila entre a obra de arte e a mercadoria, o da escrita, entre o ofício e a profissão e o do escritor, entre o artista e o profissional.

A partir do século XX, com a invenção das mídias elétricas (rádio, cinema, TV), a tensão entre arte e mercadoria se intensifica, com a última avançando constantemente no reino sagrado da primeira. Para o mundo do capital, a arte deve a ser produzida em massa e para as massas e seu objetivo principal é o lucro. A obra se torna mercadoria e o universo das arte num ramo de negócios, a indústria cultural.

Na passagem do século XX para o XXI, finalmente a mercadoria triunfa e, com raras exceções, a produção e a fruição estética é mais um negócio do capitalismo. Os próprios artistas passam a falar a linguagem dos pequenos burgueses contemporâneos, autointitulando-se empreendedores, inovadores, profissionais eficientes etc. Ou então vestem a máscara de trabalhadores, reivindicando para seu ofício o status de profissão regulamentada.

Finalmente, no século XXI, arte e vida não mais estão separadas. Mas, ao contrário da utopia sonhada pelos artistas do século XIX e de boa parte do séc. XX, não foi a vida que se tornou estética, com a arte derrotando o capital. O que aconteceu foi o contrário: a vida instrumentalizada no capitalismo absorveu a esfera estética e a transformou em mais um negócio, entre tantos.

A arte se tornou entretenimento. A última esfera da vida humana que ainda resistia às coerções do capital, finalmente caiu. O pesadelo dos artistas se tornou realidade.

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